“Panoptismo” e o meme do Troll Face

ALERTA: ESSE TEXTO CONTÉM SPOILER

Certamente você já ouviu o meme “Isso é tão Black Mirror”. A série britânica traz aspectos da tecnologia que mostram que a mesma não é usada só para o bem. Em um dos episódios, mais especificamente o terceiro da terceira temporada, denominado “Shut Up and Dance”, conta a história de um garoto que tem momentos íntimos filmados pela câmera frontal do seu notebook, e a partir disso passa a ser ameaçado por hackers de ter sua intimidade exposta e sua vida destruída. Para evitar que isso aconteça, ele vai em diversos lugares cumprir missões, e “dançando conforme a música” ditada pelos hackers, conforme sugere o nome do episódio. O garoto descobre que ele não é o único a ser ameaçado pelo grupo de invasores e mesmo cumprindo tudo que foi pedido, tem o vídeo vazado para todos os seus contatos. Depois de dar todas as instruções, os hackers mandam para o celular do garoto e de todas as demais pessoas o meme do Troll Face, indicando que tudo o que foi feito não passava de uma trollagem, e os vídeos/fotos foram vazados de qualquer maneira.

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O Troll Face tem uma origem curiosa. Usado normalmente para falar de  pessoas que querem desdenhar ou tirar sarro com outras, foi criado por um estudante chamado Carlos Ramirez, que fez a famosa cara no Paint, como um desenho qualquer, e jogou despretensiosamente no 4chan, um site que funciona como banco de imagens. Nos dias seguintes, o agora meme passou a viralizar pela Internet e virou mania dos usuários naquele momento.

O troll é a única imagem que podemos associar aos hackers do episódio de Black Mirror. A maneira que esses trolls usaram para roubar as constrangedoras informações dos usuários se assemelha muito a algo abordado por Foucault na sua obra Vigiar e Punir. O filósofo aborda o fenômeno do panoptismo, baseado na edificação que representava a prisão ideal, na qual a torre panóptica ficava ao centro e poderia vigiar a todos os prisioneiros sem que nenhum deles visse ou soubesse que estavam sendo vigiados e, muito menos, quem os vigiava.

“A multidão, massa compacta, local de múltiplas trocas, individualidades que se fundem, efeito coletivo, é abolida em proveito de uma coleção de individualidades separadas. Do ponto de vista do guardião, é substituída por uma multidão enumerável e controlável; do ponto de vista dos detentos, por uma solidão sequestrada e olhada.”

O panóptico do episódio é a câmera frontal do notebook do garoto, e a partir da descoberta do vídeo, o mesmo passa a ter a sensação de que está sendo observado em todo lugar, e por não poder revelar a ninguém o que está se passando, personifica a “solidão sequestrada e olhada” citada acima. O panoptismo da história ainda se faz valer como ferramenta de manipulação, controlando cada passo e cada ação do garoto em tempo real, a julgar que, após ele dar o número de telefone aos hackers, os mesmo já tinham acesso a seu GPS instantaneamente. Se formos fazer a relação entre o panóptico e a situação do episódio, podemos concluir que a tecnologia ajudou a evoluir e expandir a ideia do panóptico, pois ele deixa de ser apenas uma edificação estática para se tornar algo com uma área de alcance imensurável e capaz de controlar não só passos e ações, como dados e informações das pessoas.

Pode-se concluir, portanto, que o Troll Face nessa história personifica uma ideia de poder, na qual não importa que os subordinados cumpram seu papel e sigam o que foi feito, é necessário sempre demonstrar quem tem o poder, mesmo que seja preciso usar artifícios como o usado no episódio. O famoso meme ironiza essa situação, pois traz uma ideia de certa pilhéria nesse abuso de poder, justamente para causar maior humilhação e distanciamento entre subordinador e subordinado.

O Panoptismo em Vigiar e Punir de Michel Foucault

A história do “Troll Face”

 

Bibliografia utilizada:

Foucault, M. O panoptismo. In: _____. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópoles: Vozes, p. 186-214, 2009. (Terceira parte: Capítulo III)

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